A economia circular é, de fato, um conceito novo, ou podemos nos inspirar com o passado?
Por Bianca Giacomin*
Desde o advento da revolução industrial no século XVIII, passamos a aderir cada vez mais o modelo econômico linear: extrair, produzir, usar, descartar.
Esse modelo nos permitiu um crescimento econômico expressivo como sociedade, porém junto dele tivemos o aumento da geração de resíduos.
O relatório “Beyond the Age of Waste” de 2024, das Nações Unidas, estima que, em 2023, foram gerados cerca de 2,1 bilhões de toneladas de resíduos no mundo.
A projeção é de que esse volume aumente para aproximadamente 3,8 bilhões de toneladas em 2050, caso não haja mudanças significativas nos padrões atuais de produção e consumo.
A economia circular visa repensar esse modelo através de um sistema onde não existe “fora” e, portanto, não deveriam existir resíduos.
Quando o passado já era circular
Diante dos desafios das cadeias atuais, tendemos a imaginar que só a inovação tecnológica trará as respostas.
Mas grande parte das soluções que buscamos já foi praticada no passado.
Nos anos 1960, por exemplo, hábitos cotidianos seguiam intuitivamente os princípios da economia circular. Não por consciência ambiental, mas por necessidade.
Ilustrativamente, adotando uma peça de roupa como exemplo, o ciclo tecnológico da economia circular no passado seguia as seguintes dinâmicas:
- Manutenção (etapa que visa prolongar a vida útil do produto com reparos e cuidados preventivos): as peças de roupas eram lavadas e manuseadas com cuidado, aumentando a vida útil.
- Reuso/redistribuição (reaproveitamento do produto em sua forma original por outros usuários): a peça era emprestada entre amigos e familiares, garantindo o máximo de extração do valor da peça.
- Recondicionamento (atualização, conserto ou melhoria do produto para voltar ao mercado quase como novo): tirar manchas e efetuar pequenos reparos como costurar um botão ou um pequeno rasgo eram atividades comuns.
- Remanufatura (desmontagem, substituição de partes defeituosas e remontagem para garantir qualidade próxima à de um produto novo): calças viravam bermudas, casacos viravam blusas. A transformação de peças em outros itens garantia mais anos de vida para a peça.
- Reciclagem (transformação de materiais em novas matérias-primas para outros produtos): quando já não serviam, as roupas se tornavam pano de limpeza.
- Extração energética (aproveitamento energético de resíduos não recicláveis): itens descartados eram muitas vezes queimados para gerar calor.
Ou seja, antes mesmo de a economia circular ser nomeada, ela já estava presente no cotidiano. Esse ciclo se repetia com eletrodomésticos, móveis e diversos outros recursos.
Usando esse exemplo, podemos perceber que, apesar de o termo ser relativamente moderno, as etapas dos ciclos da economia circular vêm sendo praticados ao longo da história da humanidade.
Soluções antigas em modelos atuais
A abundância de recursos ao longo do século XX diminuiu a necessidade de prolongar a vida útil dos produtos. Porém, diante das mudanças climáticas e do crescimento populacional, práticas antes vistas como “coisa do passado” voltam ao centro das soluções de futuro.
Trazendo a visão da economia circular para a atualidade e, utilizando ainda o setor têxtil como exemplo, temos empresas que estão utilizando soluções antigas para gerar negócios e criar valor.
A plataforma de e-commerce, Enjoei, funciona como um bazar, garantindo o aumento do reuso e de redistribuição das peças. A empresa possuía em 2024 um valor de mercado estimado em 1,3 bilhão de dólares.
Já o SOJO UK, um app que viabiliza reparo de roupas e atua tanto na manutenção quanto no recondicionamento de peças, já recebeu mais de 2,4 milhões de dólares em investimentos.
Os exemplos não se limitam ao setor de vestuário. No ramo alimentício, aplicativos de redistribuição também ganham espaço. A Food to Save é um desses casos: em apenas três anos de operação, já projetava evitar o desperdício de cerca de 4 toneladas de alimentos em 2024.
Essas práticas mostram que soluções antigas, aplicadas em modelos atuais, são uma forma de implementar a economia circular na prática, gerando valor.
O que isso significa para o futuro
O que antes era necessidade, hoje é estratégia. A economia circular não é apenas um conceito moderno, mas um reencontro com práticas que sempre estiveram na essência da humanidade.
A aplicação deste conceito, para além do desenvolvimento e criação de novas ferramentas e tecnologias, tem o poder de reavaliar o que funcionava no passado e o que funciona na natureza. Afinal, há 4,6 bilhões de anos de ajustes evolutivos por trás dos ecossistemas naturais.
É essencial o resgate da sabedoria do passado, para transformá-la em inovação para o presente e gerar impactos positivos para o futuro.
*Bianca Giacomin é Engenheira Química pela Universidade Federal de Viçosa e pós-graduada em Meio Ambiente e Sustentabilidade pela FGV.