Transformações regulatórias, pressões do mercado e escassez de recursos tornam a circularidade uma resposta prática e inadiável aos desafios ESG
Por Onara Lima*
A forma como as empresas funcionam e executam suas operações mudou à medida que a economia global passou por grandes transformações nos últimos anos, acelerando a mudança constante, o que desafia os negócios a saírem do “business as usual”, e ter capacidade de adaptação tornou-se um imperativo.
A economia circular está diretamente conectada com os processos produtivos, ciclo de vida dos produtos e o comportamento de consumo, e deve ser integrada sempre com visão ampliada para a governança dos aspectos socioambientais – ESG, fortalecendo os conceitos interligados que impulsionam práticas estruturadas para avaliar e reportar as ações que incentivam a adoção dos princípios da circularidade.
As organizações estão migrando para a adoção da economia circular e adotando práticas sustentáveis, pois todos os produtos hoje em dia passam pelo escrutínio da sustentabilidade, com práticas de fabricação eficientes e a com capacidade de antecipar tendências quanto ao comportamento de demanda.
A pressão que a sociedade exerce sobre o ambiente natural por meio da extração de materiais e da geração de resíduos é amplamente reconhecida. Neste contexto é válido inserir a oportunidade trazida pela prática da economia circular, como uma solução potencial para redução do uso dos recursos naturais.
A economia circular como diretriz fundamental
Posicionada como um conceito que pode gerar ganhos econômicos, enquanto alivia a pressão sobre o meio ambiente, a economia circular possibilita o reconhecimento e uma reação positiva de todos os stakeholders.
No entanto, preocupações reais escalam diante dos dados compartilhados pelo Relatório Global sobre a Lacuna de Circularidade 2025, o qual traz evidências sobre a lacuna de circularidade estar aumentando.
O status global em 2025, demonstra que o declínio da circularidade global caiu para 6,9%, e nesse cenário observa-se também o aumento da pressão direta nos limites planetários.
De acordo com o Painel Internacional de Recursos da ONU, uma parcela significativa das emissões de carbono do mundo e quase toda a perda de biodiversidade estão ligadas à extração ampla e ao processamento de recursos naturais.
Ao adotar uma abordagem circular, as empresas podem buscar processos mais eficientes e regenerativos, gerenciar riscos ESG e gerar novas oportunidades na geração de valor compartilhado.
Lidando de maneira consciente com as demandas sustentáveis
As crescentes regulamentações ambientais e a pressão das partes interessadas estão levando as empresas a adotar os princípios da economia circular como uma forma de atender aos requisitos de conformidade e evitar danos à reputação.
Ao integrar a circularidade aos modelos de negócios, as empresas podem melhorar sua governança aumentando a transparência e a responsabilidade na gestão de recursos e na redução de resíduos.
Os frameworks ESG incentivam as empresas a definir metas para redução de resíduos e eficiência de recursos, o que impulsiona a inovação no design de produtos e modelos de negócios, levando a soluções mais circulares.
As práticas de economia circular reduzem o impacto ambiental, minimizando o desperdício, diminuindo as emissões de carbono e a extração de recursos naturais.
Ela promove o uso de energia e materiais renováveis, contribuindo para uma pegada ambiental menor, e podem criar empregos em reciclagem e reforma, promover a equidade social por meio do acesso a produtos sustentáveis e melhorar a saúde da comunidade reduzindo a poluição.
Com um olhar focado em negócios e processos visando otimizar o uso de recursos e minimizar a geração de resíduos, o conceito proporciona operações mais eficientes, redução de custos de materiais por meio da reutilização e reciclagem, além de menores despesas com gerenciamento, tratamento e destinação de resíduos, e reduz a dependência de recursos finitos.
Todos esses benefícios fomentam a resiliência do negócio e melhoram a capacidade de uma empresa de resistir a interrupções na cadeia de suprimentos.
Compromisso que gera integridade e relevância
Empresas que demonstram comprometimento com a circularidade e a sustentabilidade podem melhorar sua imagem de marca, atrair consumidores ambientalmente conscientes e se conectar com as questões geracionais que já demonstram um letramento desde as bases educacionais.
Na perspectiva do mercado de capitais, os Investidores que levam em consideração os aspectos ESG buscam cada vez mais empresas com práticas sólidas de economia circular. Isso cria um incentivo de mercado para que as empresas adotem modelos circulares para atrair capital.
Capital circular
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou o Tudo na Circularidade – Investindo nas cooperativas de material reciclável.
Com a iniciativa, o Banco vai apoiar a estruturação dos catadores e catadoras no novo mercado de reciclagem, permitindo que as cooperativas aproveitem as oportunidades na economia circular, obtendo mais produtividade e maior rendimento.
Com recursos de R$ 20 milhões do Fundo Socioambiental do BNDES, o projeto pode chegar a R$ 100 milhões, com novas captações.
As instituições financeiras devem ir além do financiamento, tornando-se parceiras ativas na reformulação das cadeias de suprimentos globais em prol da sustentabilidade.
Alinhar o capital com práticas circulares pode promover um crescimento inclusivo, estável e ambientalmente correto.
Conciliar a economia circular e o desenvolvimento sustentável
Esses conceitos, embora distintos, se complementam e são fundamentais para a economia moderna, com foco em soluções inovadoras e negócios resilientes.
Neste cenário, com visão interconectada, a redução de desperdícios, a capacidade de reaproveitamento de recursos e o impacto ambiental e social positivo que as empresas devem gerar, se alinham na convergência dos conceitos de desenvolvimento sustentável.
Preocupações com o meio ambiente e os recursos finitos levaram a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento a iniciar o seminal relatório Brundtland ( WCED, 1987 ), que ainda molda a agenda global sobre o compromisso positivo entre a filosofia predominante de crescimento econômico ilimitado, podendo potencializar os impactos negativos ambientais e sociais.
As práticas de economia circular podem promover processos mais sustentáveis, resultando na redução dos impactos prejudiciais ao meio ambiente e à sociedade.
A ecologia de sistemas interdependentes e a abrangência de soluções coletivas com visão multisetorial, devem construir o contexto contributivo para escalar processos circulares na prática, fortalecendo caminho para o desenvolvimento sustentável consistente.
A economia circular oferece ferramentas que podem suportar no enfrentamento das mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, ao mesmo tempo em que atendemos a importantes necessidades sociais, aumentar a prosperidade de forma equânime, os empregos e a resiliência, ao mesmo tempo em que reduzimos as emissões de gases de efeito estufa, o desperdício e a poluição.
Ao integrar critérios ESG às práticas da economia circular, as organizações podem desbloquear novas oportunidades de inovação, contribuindo positivamente para a sociedade e negócios.
Economia circular como vetor regulatório e vantagem competitiva
Governos e órgãos reguladores também desempenham um papel significativo na formação desses padrões de consumo, implementando políticas que incentivam práticas circulares.
As regulamentações de responsabilidade estendida ao produtor, por exemplo, a implementação eficiente e ampla da logística reversa, exige que os fabricantes assumam a responsabilidade pela gestão do fim de vida útil de seus produtos.
Essas regulamentações estão pressionando as empresas a repensarem o design de seus produtos e gestão do ciclo de vida.
A adoção bem-sucedida da economia circular, incorporada na estratégia do negócio, quando se trata de um tema material na análise dos aspectos ESG, requer uma abordagem sólida e direcionada.
Empresas de diversos setores e estágios de maturidade devem integrar esse processo, P&D, inovação e metodologia que integra eficazmente processos circulares em suas operações e fortalecer uma cultura que valorize tais ações.
Circularidade não é custo, é estratégia produtiva, sustentável e consciente
Ao adotar processos que contemplam a economia circular, as empresas não apenas promovem a sustentabilidade, mas também fortalecem sua resiliência, reputação e capacidade de inovar, obtendo resultados mensuráveis e efetivos.
A conscientização do consumidor, bem como uma estrutura funcional de retorno sobre o investimento (ROI), desempenha um papel importante em uma economia circular.
Produtos e serviços que proporcionam benefícios “reais” ambientais, sociais e econômicos encontrarão mais adesão de compra dos consumidores e uma melhor compreensão da sustentabilidade.
Considerar os aspectos ESG no planejamento e tomada de decisão, se tornou essencial para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, o que implica em considerar a circularidade dos seus produtos, uma necessidade para o sucesso e a lucratividade dos negócios a longo prazo.
Colaborar com clientes e fornecedores: incentivá-los a adotarem práticas circulares na cadeia de valor.
Com crescentes restrições de recursos e regulamentações em constante evolução, as empresas que não adotam modelos circulares correm o risco de sofrer retrocessos operacionais e de reputação.
Em contrapartida, aquelas que integram ESG e circularidade às cadeias de suprimentos podem reduzir custos, atender aos requisitos regulatórios e conquistar a confiança das partes interessadas.
À medida que os requisitos regulatórios aumentam, inclusive sendo ampliado para a cadeia de suprimentos, a transparência se torna essencial. As empresas devem demonstrar progressos tangíveis, não apenas compromissos.
Trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável e transição para uma economia mais equitativa, deve considerar o capital natural como um bem comum, que pode proporcionar equidade social e prosperidade econômica democrática.
*Onara Lima é Executiva de Sustentabilidade ESG e Diretora da ESG Advisory
Foto de abertura: reprodução internet/Agência Gov