Instituto Nacional de Economia Circular – INEC

PLANEC: os acertos do Brasil e os próximos desafios

O Plano Nacional de Economia Circular marca um avanço histórico para o Brasil, mas sua efetiva implementação depende de articulação, inovação e inclusão social 

 

Por Flávio de Miranda Ribeiro* 

 

 

Com a publicação do Plano Nacional de Economia Circular (PLANEC), em maio de 2025, o Brasil dá um passo importante na construção de um modelo de desenvolvimento mais sustentável, inovador e inclusivo. Fruto de um amplo processo participativo, o documento consolida diretrizes e ações para orientar o país na transição para uma economia circular nos próximos dez anos.

 

Mas, apesar dos avanços, os desafios para sua efetiva implementação são grandes — e exigem articulação entre governo, setor privado e sociedade civil. Neste artigo comento seu contexto e estrutura, destacando suas principais virtudes e desafios.

 

O PLANEC nasce como principal desdobramento da Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC), instituída em junho de 2024 pelo Decreto nº 12.082/2024. Pela primeira vez, o termo “economia circular” ganha respaldo legal no Brasil, com diretrizes claras e objetivos definidos.

 

A partir da ENEC, foi criado o Fórum Nacional de Economia Circular, colegiado consultivo destinado a assessorar, monitorar e avaliar a implementação da ENEC, composto por representantes do governo federal, setor privado, trabalhadores, municípios e sociedade civil, e coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), com participação na Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para acompanhar e orientar a implementação da estratégia.

 


Um plano construído a muitas mãos 

 

A construção do PLANEC envolveu representantes de diversos setores do governo, entidades empresariais e organizações da sociedade civil.

 

A minuta inicial, elaborada pelo Fórum, foi submetida a consulta pública pelo MDIC, recebendo mais de 150 contribuições — a maioria incorporada à versão final.

 

O resultado é um plano estruturado em cinco eixos estratégicos, com 18 macro objetivos e 71 ações previstas até 2034, com o seguinte conteúdo: 

 

  • Eixo 1: trata do ambiente normativo e institucional, buscando criar regras claras, indicadores de circularidade e promover a articulação entre políticas públicas e com os compromissos internacionais do país; 

  • Eixo 2: promove a inovação, cultura, educação e capacitação para empresas e trabalhadores, com foco na disseminação do pensamento circular e no estímulo à pesquisa, além de promover formas mais sustentáveis de produção, incentivar o reuso e o aumento da vida útil dos produtos; 

  • Eixo 3: aborda a redução da geração de resíduos, desde a concepção dos produtos, e a melhoria no gerenciamento dos resíduos, com foco na infraestrutura para reciclagem, articulação entre políticas e o incentivo à instalação de recicladoras; 

  • Eixo 4: propõe instrumentos financeiros de apoio à circularidade, incluindo mecanismos de crédito, compras públicas sustentáveis, ajustes tributários para a cadeia da reciclagem e incentivos fiscais para produtos circulares; 

  • Eixo 5: visa a articulação interfederativa e o envolvimento de trabalhadores, especialmente as cooperativas de catadores. Busca também promover o desenvolvimento econômico regional, por meio das cadeias produtivas da reciclagem e dos negócios circulares. 

 

A figura a seguir resume esta estrutura: 

 

Prioridades e ação estratégica na implementação

Para a implementação do Plano, os membros do Fórum Nacional de Economia Circular realizaram um ciclo de reuniões, com o objetivo de estabelecer uma priorização – considerando para isso a complexidade, abrangência e impacto previsto de cada uma das 71 ações propostas. Após a deliberação da plenária, 17 destas foram priorizadas – relativas às seguintes ações: 

  • Desenvolver um Diagnóstico Nacional, incluindo indicadores de circularidade (ação 1.1.1); 

  • Selecionar setores prioritários e elaborar os respectivos planos setoriais (ação 1.1.3);

  • Desenvolver critérios de circularidade no programa Selo Verde Brasil (ação 1.3.6); 

  • Criar chamadas públicas para desenvolvimento e inovação em economia circular (ação 2.2.1); 

  • Fortalecer centros de Economia Circular para incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e materiais que facilitem o desenho circular (ação 2.2.3); 

  • Incentivar a pesquisa, desenvolvimento e inovação em reciclagem de materiais complexos e o desenho de produtos circulares (ação 2.2.4); 

  • Criar incentivos para reduzir resíduos e promover o reaproveitamento de produtos e componentes (ação 3.1.2); 

  • Expandir a logística reversa por meio de novos Decretos, estabelecendo metas e programas estruturantes (ação 3.2.2); 

  • Expandir a infraestrutura de logística reversa, com suporte municipal à coleta, consolidação e encaminhamento a práticas circulares (ação 3.3.1); 

  • Prevenir o desperdício de alimentos e a valorização de resíduos orgânicos (ação 3.4.1); 

  • Financiar produtos e modelos de negócio circulares (ação 4.1.4); 

  • Alinhar a Taxonomia Sustentável Brasileira às diretrizes previstas na ENEC (ação 4.1.5); 

  • Criar incentivos fiscais para plantas de remanufatura e recondicionamento (ação 4.3.2); 

  • Contratar catadores para programas de conscientização ambiental (ação 5.2.1); 

  • Desenvolver estudos de viabilidade e de potencial regional ou local (ação 5.3.1); 

  • Criar e fortalecer redes de cooperativas e associações voltadas à economia circular (ação 5.3.2);

 

Adicionalmente, atendendo aos pedidos dos membros do Fórum Nacional, também será priorizada a questão tributária relativa à cadeia da reciclagem (ação 4.3.1) – em especial a chamada “PEC da bitributação”. 


Além disso, foi reforçado que um dos primeiros passos será a elaboração de um diagnóstico nacional (ação 1.1.1), base para definir metas e indicadores que balizarão a primeira revisão do plano, prevista para um ano após a sua publicação. 

 

 

Governança, visão sistêmica e alinhamento com tendências

 

A governança participativa é um dos grandes acertos do PLANEC. A criação do Fórum Nacional e a realização da consulta pública trazem para a arena das políticas públicas não só os órgãos de governo diretamente envolvidos (MDIC e MMA), mas também outros atores do governo, entidades empresariais, trabalhadores, municípios e de forma ampla a sociedade civil em diversas formas e representações.

 

Essa construção coletiva instrumentaliza a necessidade de a economia circular ser conhecida e apropriada por toda a sociedade, e amplia a legitimidade do PLANEC.

 

Mais ainda, o engajamento neste processo ao mesmo tempo empodera os atores e fortalece a corresponsabilidade de todos na implementação do Plano. E se tratando da economia circular isso não é trivial, e está no centro da criação das “redes de valor circular” – conceito trazido justamente pela delegação brasileira para as normas internacionais de economia circular – no qual o sucesso dos modelos de negócio e estratégias circulares depende de conexões não usuais entre os atores sociais. 


No fim, mais do que uma política ambiental, o Plano é o reconhecimento de que a economia circular é uma estratégia de desenvolvimento — um reposicionamento importante diante dos desafios do século XXI. 


Em relação ao seu conteúdo, o PLANEC traz uma visão integrada e sistêmica, focando na urgência de repensar o uso dos recursos naturais e abordando ações que tratam desde o desenho de produtos até o destino final dos resíduos. Propõe a reestruturação de processos produtivos, incentiva o redesenho de embalagens, combate o desperdício, fomenta a educação e a sensibilização das pessoas, estimula a pesquisa e inovação e promove a geração de empregos e a inclusão social.

 

Além disso, o Brasil acerta ao alinhar sua política industrial e ambiental com as tendências internacionais. O momento também é oportuno: o país já conta com marcos regulatórios relevantes, experiências empresariais exitosas e um ecossistema industrial em transição.

 

Normas técnicas da ABNT sobre economia circular, novos decretos de logística reversa e o Selo Verde Brasil são alguns dos avanços recentes que dialogam com as diretrizes do PLANEC. Além disso, outras políticas federais — como o Plano de Transformação Ecológica e o Nova Indústria Brasil — também incorporam elementos de circularidade, e devem ser alavancados com as diretrizes do PLANEC.

 

 

Mas ainda temos desafios, muitos dos quais significativos

 

Apesar da robustez da proposta, há obstáculos importantes pela frente. A implementação das 71 ações demandará articulação entre diferentes níveis de governo, recursos financeiros, continuidade política e capacitação técnica. 

 

O país ainda precisa ampliar sua infraestrutura de reciclagem, digitalizar cadeias produtivas, combater a informalidade no setor de resíduos e estabelecer regras que assegurem a circularidade ao longo do ciclo de vida dos produtos, desde o seu projeto. O risco de o Plano ficar restrito ao papel existe, caso não haja continuidade política, mecanismos de monitoramento eficazes e envolvimento ativo da indústria.

 

Outro desafio crítico, principalmente considerando a grande desigualdade social do país, é garantir que a transição para a economia circular seja inclusiva e justa. Isso significa envolver pequenos negócios, territórios vulneráveis e principalmente populações em situação de risco social, como os trabalhadores da economia informal. A meta é clara: não deixar ninguém para trás.

 

O PLANEC coloca o Brasil entre os países que mais avançaram na agenda da economia circular recentemente. Mais do que um documento técnico, é um marco que sinaliza o compromisso do país com a sustentabilidade, a geração de empregos verdes e os novos modelos de negócios. Seu sucesso, no entanto, dependerá da coordenação do governo federal e do engajamento coletivo — especialmente do setor produtivo, que deve assumir protagonismo na transformação de práticas e cadeias de valor.

 

Se bem executado, o PLANEC pode impulsionar a economia brasileira, aumentar a competitividade da indústria nacional, fortalecer a inclusão social e posicionar o país como referência global na transição para uma sociedade mais justa e sustentável. O futuro é circular, mas depende do engajamento e da ação efetiva de cada um de nós.

 

 

 

*Flávio de Miranda Ribeiro é consultor e professor em Economia Circular, logística reversa e regulação ambiental, e Especialista no INEC

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