Instituto Nacional de Economia Circular – INEC

A reciclagem além da gestão de resíduos: uma infraestrutura climática

Do avanço regulatório à prática circular, a reciclagem emerge como alicerce da economia circular e como parte da resposta climática

Por Bruno Passarelo*

A transição energética e climática requer uma transformação de como consumimos bens e serviços e a integração da economia circular nas cadeias produtivas, cuja implementação depende, em grande parte, do fortalecimento da reciclagem como infraestrutura climática.

Integrada às cadeias produtivas, a reciclagem pode converter fluxos lineares em ciclos de materiais de baixo carbono, reduzindo a necessidade de extração e níveis de industrialização de recursos.

Neste artigo apresento de forma não exaustiva, a partir de evidências nacionais e internacionais, o papel estratégico da reciclagem na mitigação de emissões de gases de efeito estufa, os avanços e lacunas das políticas públicas brasileiras e alguns caminhos que podem favorecer a eficiência, rastreabilidade e inclusão social na cadeia de reciclagem. 

A gestão de resíduos como desafio climático

O setor de resíduos sólidos urbanos representa uma fonte significativa de emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa), cujos impactos tendem a aumentar se a gestão de resíduos permanecer no padrão atual.

A geração de resíduos sólidos está intrinsecamente ligada às emissões de GEE ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos – desde a extração de matérias-primas e fabricação até o transporte e descarte final.

A decomposição gradual dos resíduos biodegradáveis em aterros sanitários gera o biogás, rico em metano, que é um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento mais de 28 vezes maior que o do CO₂, conforme estudos do IPCC (2022).

Além disso, o transporte e o manejo ineficiente dos resíduos contribuem com emissões indiretas associadas à queima de combustíveis fósseis e à geração de energia para tratamento, coleta e disposição final.

Segundo o Global Waste Management Outlook publicado pela UNEP (2024), o cenário “Waste Management as Usual”, que simula a continuidade de uma economia linear, projeta que até 2050, as emissões relacionadas ao manejo de resíduos poderiam crescer cerca de 91% em relação a 2020, refletindo o aumento da geração de resíduos e a persistência de práticas inadequadas de disposição.

Esses números destacam a urgência de repensar a forma como produzimos, consumimos e descartamos materiais, evidenciando que a simples manutenção das práticas atuais não é compatível com as metas climáticas globais.

Em contraste, o cenário “Circular Economy”, onde estratégias de circularidade são implementadas, mostra um impacto transformador: as emissões de GEE poderiam ser reduzidas em mais de 100% até 2040 e em torno de 154% até 2050 em relação a 2020, indicando que o setor de resíduos não apenas poderia neutralizar suas emissões comparado a 2020, mas também atuar como mitigador líquido.

Essa redução é resultado de estratégias integradas de prevenção, reutilização, reciclagem e recuperação de materiais, que diminuem a necessidade de extração de recursos e a disposição inadequada de resíduos.

Cenário de emissões de resíduos no Brasil

Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima (2025), o Brasil tem apresentado avanços e retrocessos no que diz respeito às suas emissões de GEE.

Embora o país tenha registrado, em determinados períodos, a maior redução nas emissões totais dos últimos 15 anos, setores como o de gestão de resíduos ainda representam importantes oportunidades de mitigação.

O setor de resíduos figura entre os principais emissores nas áreas urbanas, mesmo que correspondam a cerca de 5% das emissões nacionais. Em 2024, as emissões do setor  cresceram 3,6%, passando de 92 MtCO₂e em 2023 para 96 MtCO₂e.

Esse aumento foi impulsionado, sobretudo, por um acréscimo de 9% na quantidade de resíduos sólidos coletados em 2023, patamar que se manteve elevado no ano seguinte, constatado em análises recentes do ICLEI (2025).

Ademais, uma revisão nos dados populacionais do IBGE para 2024, que indicou um crescimento de 5% na população brasileira, também contribuiu para a elevação das emissões, já que a geração de resíduos e suas emissões associadas tendem a acompanhar diretamente o número de habitantes. 

Reciclagem como infraestrutura climática

Trazendo um recorte apenas urbano, de acordo com o estudo Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil de 2024, realizado pela ABREMA, o Brasil gerou em 2023 cerca de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (média de 1,05 kg/hab.dia), dos quais apenas 8,3% (6,73 milhões de toneladas) foram encaminhadas à reciclagem – sendo 67% deste montante destinados por coleta informal e de catadores.

Nesse contexto, demonstrando o potencial da reciclagem como estratégia climática, estudos recentes realizados nos Estados Unidos mostram que reduzindo a geração de resíduos per capita em 35% e elevando a taxa de reciclagem para 65%, poderia-se evitar aproximadamente 700 MtCO2e por ano até 2050, contribuindo substancialmente para metas climáticas nacionais do segundo país mais emissor de GEE do mundo (Halevi; Giordano; Van Brunt, 2023).

Análises de caso em nível municipal, como em Surabaya na Indonésia, projetam que um aumento na taxa de reciclagem de 24% para 30% pode reduzir emissões deste setor em até 10,50%, ilustrando o impacto direto de intervenções de política e gestão (Liem et al., 2024).

Dessa maneira, a expansão da reciclagem no Brasil tem potencial substancial para reduzir emissões de GEE do setor de resíduos ao fechar a lacuna entre o atual 8,3% reciclado e taxas muito maiores demonstradas em cenários internacionais, especialmente, por meio do fortalecimento das cadeias de valor dos recicláveis, integração da tecnologia e promoção de um ambiente regulatório que propicie um ambiente para mercados para materiais reciclados. 

 

Políticas públicas: avanços e desafios para a reciclagem no Brasil

O Brasil tem avançado na agenda da economia circular nos últimos anos, com a reciclagem sendo uma das estratégias centrais.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei nº 12.305/2010 é o marco regulatório que institui princípios como responsabilidade compartilhada, logística reversa e destinação ambientalmente adequada, além de metas para eliminar lixões, ampliar coleta seletiva e valorizar materiais recicláveis, incluindo a inclusão de catadores.

Instrumentos recentes de promoção a reciclagem, como o Decreto nº 12.106/2024, que regulamenta a Lei nº 14.260/2021 (Lei de Incentivo à Reciclagem — LIR), estabeleceu mecanismos fiscais para estimular projetos de reutilização, tratamento e reciclagem, permitindo deduções no imposto de renda para iniciativas aprovadas, como capacitação de cooperativas e aquisição de equipamentos.

E já recentemente em 2025 foi aprovado o Plano Nacional de Economia Circular (PLEC) 2025–2034, estruturado em cinco eixos — governança, infraestrutura, inovação, educação e financiamento — com 18 macroobjetivos e 71 ações, fomentando empregos verdes e eficiência de recursos e apoiando a Reciclagem 4.0 por meio da digitalização e incorporação de tecnologias como IoT, IA, blockchain e big data.

Apesar desses marcos e do fortalecimento do arcabouço regulatório, persistem desafios para transformar planos em resultados. 

 

Principais desafios

  • Taxas de reciclagem urbana insuficientes: embora 61% dos municípios oferecem coleta seletiva de acordo com levantamento do IBGE em 2023, o país recicla apenas 8,3% destes resíduos coletados segundo a ABREMA, com variações por fonte e material, o que mantém grande parte dos resíduos em aterros ou lixões. 

  • Volume de resíduos gerados e perdas econômicas: o Brasil produz em média 80 milhões de toneladas de resíduos por ano, sendo que grande parte é enterrada. Em 2023 mais de 70 milhões de toneladas seguiram para aterros sanitários ou lixões, gerando prejuízos estimados em bilhões por ano ao deixar de reinserir materiais na economia. 
     
  • Persistência de lixões e destinação inadequada: apesar de metas de desativação, cerca de 32% dos municípios brasileiros em 2023 ainda utilizavam lixões segundo o IBGE, o que compromete saúde pública, meio ambiente e a eficiência da recuperação de materiais recicláveis. 
     
  • Bitributação e barreiras fiscais à cadeia do reciclado: o material reciclado é tributado duas vezes, sendo a primeira quando ainda é virgem e a segunda ao ser comercializado, levando à bitributação e reduzindo a competitividade do reciclado frente ao virgem, desincentivando indústrias a incorporar conteúdo reciclado nas embalagens. 

  • Fragmentação regulatória, fiscalização e metas ambiciosas sem infraestrutura pronta: a regulação recente impõe metas crescentes (por exemplo, índices obrigatórios de conteúdo reciclado em embalagens) enquanto faltam sistemas de rastreamento eficientes, uniformidade na fiscalização e infraestrutura logística e de triagem suficientes para cumprir esses objetivos sem onerar excessivamente operadores locais

    • Desigualdade regional e dependência dos catadores:
    a maior parte do material que chega às recicladoras é coletada por catadores e cooperativas. A falta de formalização, remuneração adequada e condições de trabalho expõe vieses sociais na cadeia e limita a escala e qualidade da triagem. 

Caminhos para o futuro

Cenários de política bem estruturados, que integrem inovação tecnológica, incentivos fiscais e regulação coerente, têm potencial para gerar reduções significativas de emissões de gases de efeito estufa em setores estratégicos. 

Nesse contexto, aliado à digitalização e as novas tecnologias como inteligência artificial, as soluções da Reciclagem 4.0 funcionam como catalisadores, permitindo maior monitoramento, rastreabilidade e transparência das operações, além de fortalecer mecanismos de governança e prestação de contas, alinhando economia circular e enfrentamento a crise climática. Superar esses desafios requer colaboração multissetorial. 

O poder público deve promover um ambiente regulatório seguro, previsível e com capacitação da força de trabalho, além de investir em infraestrutura e no fomento a um ecossistema que estimule a circularidade; as empresas precisam adotar modelos circulares desde a concepção de seus produtos e serviços e alinhar se seu negócio a métricas rastreáveis e com soluções escaláveis; e a sociedade civil deve exigir transparência e responsabilidade, colaborando ativamente com uma transformação necessária no modo como consumimos bens e serviços, com consciência e circularidade. 

Em um planeta que precisa reduzir as emissões drasticamente nas próximas décadas, a reciclagem oferece um caminho tangível e circular.

 
*Bruno Passarelo é Engenheiro Ambiental (Unisantos), mestre em Biodiversidade e Ecologia Marinha (UNIFESP), com especializações em Projetos e Negócios Digitais (FIAP). Atua como Gestor de Sustentabilidade Corporativa e é doutorando em Desastres Climáticos (UNESP).
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